quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

O mistério do cavalo de Édipo

Perguntou a Medusa para Édipo:
- Escuta aqui, você viu bem onde amarrou seu cavalo?
(O cavalo era um Pégasozinho meio de quinta. Mas com asas.)
- Hein? – resmungou Édipo, as rédeas ainda na mão.
- Não faz o distraído comigo que eu te petrifico, viu? – gritou a Medusa, que era muito temperamental. – Te conheço e não é de hoje.
- Saco – murmurou Édipo. – Sempre onipotente.
Medusa ficou uma fúria:
- Olha nos meus olhos já! – ordenou. – Direto nos meus olhos, seu panaca! – Ela olhou fundo nos olhos dele. As cobrinhas da cabeça ficaram em pé. – Considere-se petrificado.
- Naja idiota – bocejou Édipo. – Não vê que sou cego?
Medusa bateu na testa:
- É mesmo! Por Juno, eu tinha esquecido.
Sei, sei. O enigma, Tebas, Jocasta, aquela baixaria toda. Cuspiu de lado: - Tarado.
Édipo ia reagir quando chegou Perséfone: percebeu pelo excesso de perfume no ar. Sim, pensou, Perséfone tinha mesmo ficado meio tang demais depois de superada aquela horrível fase dark no Hades.
- Édipo, meu gato! – ela gritou. – Nossa, quanto tempo. Desde aquela tarde em Elêusis, quem diria? – Começou a falar outra abobrinha qualquer, mas interrompeu-se com um grito: - Por Palas-Atena, baby: você viu bem onde amarrou seu cavalo?
- Perua! – interrompeu a Medusa. – Eu já dei o toque pra ele.
Perséfone fez que não ouviu. Já tinham rolado uns lances entre elas no verão passado, em Creta (Medusa calçava 52, bico largo). Super-heavy: Perséfone preferiu tirar o time. Mais ainda depois que conhecera Teseu, na musculação. Insistiu, como se Medusa não existisse.
- Mas me diz, meu bem: você viu onde amarrou seu cavalo?
- Eu não vejo, pô – rosnou Édipo. – E você que vê, por Cronos, poderia me fazer o enorme favor de dizer, Parcas, onde...
Perséfone era muito dispersiva. Nesse momento olhou para cima e viu o inconfundível acrílico de asa-delta de Ícaro. Chamou:
- Ícaro! Ícaro, desça já-já aqui, seu piradinho!
Ícaro desceu. Não porque tivesse ouvido (ao voar, usava sempre head-phones com som de Phillip Glass: dava o maior clima), mas por coincidência tinha olhado para baixo e visto os três. Quatro com Pégaso.
- E aí, lasanha? Dando banda? – Perséfone era demais galinha.
- Estou procurando Apolo – respondeu Ícaro, muito digno.
Baixo-astral como era, Medusa não perdeu a oportunidade:
- Apolo? Acabei de vê-lo com Narciso, nos Jardins com as Hespérides. Aliás, nunca vi Narciso tão bonito. Herítia apresentou uns pomos pra eles. E você precisava ver, que gracinha, Apolo dando pedacinhos pra ele.
Ícaro ficou lívido. Estava a ponto de rodar a cariátide quando Perséfone, diplomatiquérrima (era Libra), cortou:
- Você conhece Édipo, Ícaro?
- Prazer – disse Ícaro, estendendo a mão. – Ícaro.
- Édipo – disse Édipo, uma mão nas rédeas, outra tateando no ar. – Escuta, você não é o filho de Dédalo?
- Você conhece meu pai? Ele... – Ícaro parecia encantado, mas interrompeu-se com um grito: - Por Vulcano, Édipo! Você viu bem onde amarrou seu cavalo?
            Foi então que Édipo sacou que a situação era realmente grave. Soltou as rédeas e disse aquela frase que acabou entrando para a história: - Por Zeus, vocês que vêem querem parar com essa galinhagem e me dizer de uma vez por todas: onde foi que eu vim amarrar meu cavalo?
Caio Fernando Abreu




Achei simplesmente genial. 

Um comentário: